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70% de abstenção nas próximas eleições europeias?!

Segundo uma sondagem publicada no Correio da Manhã de 07/03/2004, cerca de 70% dos portugueses não tencionam ir votar nas próximas eleições para o Parlamento Europeu. Quando mais de dois terços dos eleitores não querem participar numas eleições, temos de ficar preocupados. E temos de reflectir sobre o assunto.

De facto, o acto eleitoral é o momento fundamental da Democracia. É, de resto, um dos traços identificadores do regime democrático: numa ditadura nunca há eleições verdadeiramente livres.

Para além de fundamental, é um momento estruturante do futuro colectivo: o cidadão é chamado a escolher os seus representantes e dirigentes, que determinarão o amanhã de todos nós.

No entanto, verificamos que, de eleição para eleição, a abstenção tem subido. Esta situação parece ser particularmente grave entre os mais jovens. Haverá um crescente afastamento dos jovens em relação à política?

Nestas coisas dá sempre jeito ver alguns números e tendências...

Num estudo com jovens universitários galegos, 66% dos estudantes disseram estar desinteressados da política. E 73% concordaram com a afirmação depois das eleições, os políticos não querem saber da opinião dos eleitores. A maioria não acreditava nas formas tradicionais de intervenção política (voto, contacto com políticos, etc.), considerando mais eficaz outras formas de tentar influenciar as decisões políticas (manifestações, boicotes, abaixo-assinados, etc.).

Vejamos agora a abstenção nas eleições europeias anteriores: 48,9% em 1989, um pico de 64,4% em 1994, uma ligeira recuperação para 60% em 1999. Mas, segundo a sondagem do Correio da Manhã, prevê-se 69,4% de abstenção nas próximas eleições, a maior abstenção de sempre numas eleições em Portugal!

Ora, o que leva alguém, jovem ou não, a participar num acto eleitoral? Existem vários factores.

1. Um dos mais frequentes é a chamada consciência cívica ou consciência do dever cívico. O cidadão reconhece as vantagens do sistema democrático e considera que tem o dever de contribuir para o mesmo através, nomeadamente, da participação em actos eleitorais.

2. Outro factor é o interesse pessoal pela eleição em causa. Esse interesse é, por sua vez, determinado por vários factores:

  • Proximidade e importância do órgão a eleger Convém não esquecer que aqui se trata de uma combinação inseparável. Maior proximidade não significa necessariamente maior participação: os órgãos autárquicos são os mais próximos dos cidadãos mas podem ser percepcionados como menos importantes que o Governo, por ex. Refira-se que este parece ser o factor que mais conduz à abstenção nas eleições para o Parlamento Europeu, órgão geralmente visto como distante e pouco importante.
  • Relevância dos temas em discussão Na actual sociedade mediática, as campanhas eleitorais centram-se em 4 ou 5 temas principais. A percepção desses temas como relevantes ou irrelevantes vai ter um grande peso na decisão de participar ou não no acto eleitoral.
  • Diferenciação das alternativas Quanto mais semelhantes forem as posições dos candidatos sobre os temas em discussão, menor será a motivação para ir votar. Houve um leitor do Correio da Manhã que enviou o seguinte comentário à notícia da sondagem: «Compreende-se a razão do desinteresse destas eleições à luz das posições (praticamente coincidentes) assumidas pelos dois maiores partidos (PSD e PS) relativamente às grandes questões europeias. Melhor se compreende quando se analisa o desempenho dos eurodeputados portugueses no PE (incluindo do PCP e do CDS) onde, no que toca à defesa do interesse nacional, normalmente não há divergência de posições». Isto traz-nos de volta, entre outras, a questão do fim das ideologias. Todos sabemos que quanto mais exacerbadas são as disputas ideológicas, mais há a tendência a participar no sistema político (nem sempre pelas vias democráticas, como o passado nos ensina). Fala-se hoje no fim das ideologias e de como isso desmobiliza os cidadãos, mas esse é um tema que merece todo um artigo...
  • (In)certeza do resultado Se o resultado de uma eleição é quase certo, haverá menor motivação para ir votar.

Convém sublinhar que estes factores não são estanques nem se verificam isoladamente. Por exemplo, um eleitor pode não ir votar por considerar que os temas em causa são pouco relevantes, ainda que entenda que os candidatos têm posições bem diferenciadas sobre os mesmos (poderá ter sido o que aconteceu no referendo sobre a despenalização do aborto, em que se verificou uma elevada abstenção).

3. A decisão de participação é também muito influenciada por uma percepção de eficácia interna, isto é, percepção que cada indivíduo tem da eficácia da sua intervenção no sistema democrático, em geral, e nos actos eleitorais, em particular. Quanto mais um cidadão considerar que a sua participação é eficaz (que produz algum efeito), mais tenderá a participar.

Ora, o que faz um indivíduo percepcionar a sua participação como eficaz?

Desde logo, uma percepção mais lata de eficácia social. Um cidadão que considera que consegue ter uma intervenção eficaz na sua sociedade (não só nas questões políticas, mas também noutras questões ligadas à sua comunidade), terá mais tendência a acreditar que consegue intervir positivamente no sistema democrático, enquanto sub-sistema fundamental do sistema social.

Por outro lado, a expectativa do resultado dessa intervenção. Se o indivíduo tem a expectativa de a sua participação no sistema democrático produzir um resultado positivo, estará mais inclinado a concretizar essa participação. E o que vai determinar essa expectativa? Um dos factores já foi referido: a incerteza do resultado quando o resultado é incerto, todos os votos contam, pelo que há maior motivação para a participação. Outro factor é o resultado de participações anteriores. Se uma pessoa considerar que a participação em actos eleitorais anteriores foi positiva e produziu efeitos, então estará mais disposto a voltar a participar.

4. Há ainda um outro tipo de factor, a percepção de eficácia externa isto é, a percepção de eficácia do sistema político. Para não variar, também este factor se subdivide em vários...

Quem nunca ouviu alguém dizer os políticos só se interessam por nós durante a campanha, depois de eleitos já não nos ligam nada? Já referi acima o resultado do estudo com jovens galegos. Esta percepção está muito presente entre nós e deve ser combatida energicamente pelos políticos (como refiro mais abaixo, nas propostas de soluções para estes problemas).

Vejamos o comentário de outro leitor do Correio da Manhã à mesma notícia: «Deveremos continuar a ser estimulados em votar? Em quem? Naqueles que acreditamos e que no fim da história a todos nos acaba por mostrar que são no fundo tão mentirosos como todos?».

Entre outras medidas, é preciso que os cidadãos sintam que depois das eleições os políticos estão disponíveis para os ouvir e, seguidamente, é necessário que essa audição produza efeitos. Essa disponibilidade e sensibilidade do Sistema Político, sendo pós-eleitoral, vai influenciar a própria participação eleitoral porque está na cabeça do eleitor (na forma de expectativa) no momento de decidir se vai ou não votar.

Finalmente, a percepção comparativa de eficácia das formas alternativas de participação política. Por exemplo, se um cidadão considerar que cortar uma estrada, com a devida cobertura dos órgãos de comunicação social, é mais eficaz do que votar ou do que agendar uma reunião com o político responsável pela solução do seu problema, então ele irá procurar intervir da primeira forma em detrimento das segundas. Vejamos outro comentário de um leitor do Correio da Manhã à notícia da sondagem:

«São muitos os portugueses que na freguesia de Alvares, querem boicotar as eleições europeias. Porque só assim terão voz!». E segue-se uma lista de reivindicações da população dessa freguesia que, segundo o leitor, tem sido completamente esquecida pelos seus representantes políticos.

5. Um último factor é a posição de pessoas ou grupos de pessoas, importantes para o eleitor, sobre a participação eleitoral. Todos nós somos muito influenciados pelas pessoas que admiramos e pelos grupos a que pertencemos. Se um determinado eleitor se relaciona com pessoas e/ou se insere em grupos que desvalorizam a importância de ir votar, então aumenta a probabilidade de não participar em actos eleitorais. É a chamada norma de pessoa(s) significativa(s) e/ou norma grupal.

 

Propostas

Enfim, o diagnóstico é importante. Mas mais importante ainda é tentar perceber como a situação pode ser alterada. E, sobretudo, ver o que é que cada um de nós pode fazer para ajudar a alterá-la.

Acredito que a JSD pode ter aqui um duplo papel:

1. Defender dentro do PSD e da coligação governamental uma correcta formação dos jovens sobre o Sistema Político, formação essa que deve ser inserida na escolaridade oficial.

Já houve, no passado, algumas disciplinas do Ensino Secundário que procuraram dar alguns conhecimentos aos alunos sobre as questões políticas. Geralmente, essas disciplinas versavam duas grandes matérias. Por um lado, descreviam as diferentes formas de organização política, desde as Cidades-Estado da Antiguidade até às modernas formas de organização democrática. Por outro, faziam um resumo da nossa organização político-constitucional.

Eram, portanto, uma espécie de mistura entre História da Organização Política e Introdução ao Direito Constitucional Português, por vezes temperada com uma breve História das Ideias Políticas.

Ou seja: um desastre! Massudo, nada motivante para a maioria dos jovens a que se dirigiam. Convém esclarecer que eu, pessoalmente, gosto das matérias acima referidas. Agora, tenho a certeza que a maioria dos alunos do Secundário não.

Pior ainda, essas disciplinas falhavam completamente aquele que deve ser o seu objectivo principal: envolver os jovens no nosso Sistema Político, sublinhar a sua importância e mostrar de forma prática e simples como nele podem participar.

Qualquer disciplina do Ensino Secundário nessa área deve, portanto, ser essencialmente prática. Não tenhamos medo de formas diferentes de leccionação: discussões, visitas, experiências práticas de participação política esta deve ser a educação política no ensino oficial.

Quantas pessoas sabem que o Grupo Parlamentar do PSD recebe todas (sim, todas) as pessoas e instituições que lhe solicitam uma audiência? Se um certo grupo de alunos identificar um determinado problema, relacionado com a sua escola ou com a sua comunidade, a preparação e realização de uma audiência com Deputados à Assembleia da República fará uma melhor pedagogia do Sistema Político do que 20 aulas teóricas sobre o mesmo.

Claro que é fundamental que essa audiência seja esclarecedora e, sobretudo, que produza efeitos em tempo útil mesmo que seja a recusa (devidamente fundamentada) da sua pretensão. É imprescindível que os nossos políticos, em todos os níveis, compreendam que esses momentos de contacto com os cidadãos são essenciais para a construção que estes continuamente fazem da imagem do Sistema Político. É muito simples: esses contactos não podem falhar.

E mais: devem ser os políticos a procurar os cidadãos. Muito se fala na aproximação entre eleitos e eleitores, mas muito pouco se tem feito nessa matéria.

Imagino o que muitos dirão: pois, pois, é muito importante! Mas, no fundo, temem (ou aborrecem-se) com essa aproximação.

No entanto, convém recordarmo-nos da História: sempre que um regime democrático caiu e foi substituído por uma ditadura ou por uma refundação do sistema partidário, isso deveu-se ao descrédito dos políticos democratas. Lembremo-nos do fim da I República portuguesa, da criação da V República francesa com De Gaulle ou do fim dos partidos políticos tradicionais (Democracia Cristã, Partido Socialista, Partido Comunista) na Itália dos anos noventa. E eu penso que já estivemos mais longe disso no Portugal de hoje.

Vejamos outro comentário de um leitor do Correio da Manhã à notícia da sondagem:

«Sou um abstencionista convicto, de longa data. Sempre tenho dito, e repito, que isso não reflecte desinteresse pelos assuntos, mas sim desprezo por toda a classe política, de alto a baixo, e desconfiança em todos eles. Nem é que não me reveja em nenhum partido, mas os seus representantes não me suscitam qualquer confiança. Assim, prefiro não ter responsabilidade directa na eleição de qualquer deles.»

E outro leitor escreveu: «Cerca de 70% de abstenção são prova mais que evidente que os Portugueses rejeitam este sistema político a que alguns chamam democracia. A corrupção da classe política deixa as suas marcas no eleitorado. Que falta mais para surgir algum "salvador da Pátria"?».

Realmente, faltará muito até alguém em Portugal começar a pedir uma total refundação do sistema político ou o aparecimento do tal salvador da Pátria? Começo a pensar que não.

A questão da aproximação entre eleitores e eleitos não pode, portanto, ser só retórica. Mas, infelizmente, tenho a certeza que a classe política portuguesa não está bem consciente disto e desvaloriza este problema.

Ora a JSD pode e deve ser a voz dentro do PSD a alertar para esta questão, até porque o problema parece ser mais grave entre os jovens.

 

2. A JSD deve, ela própria, ter um papel activo no crescimento do interesse da juventude portuguesa pelas questões políticas, em geral, e pela participação eleitoral, em particular. E todos os militantes podem ajudar.

É importante que todos fomentem o interesse das pessoas da sua idade pelas questões políticas. Qualquer militante pode e deve estar bem informado sobre tais questões, devendo intervir e informar sempre que ouvir algum comentário sobre as mesmas. Há, entre a população portuguesa, muito desconhecimento das matérias políticas e, portanto, muitas conclusões erradas, baseadas em notícias de alguns segundos nas nossas televisões.

Mas os militantes da JSD não devem apenas esperar que um assunto político seja levantado para então intervir e informar. Devem, eles próprios, fomentar a discussão e o esclarecimento, quanto mais não seja entre o seu grupo de amigos.

Penso que devemos, também, incentivar os jovens a envolver-se na política: por exemplo, a participação em associações de estudantes tem sido, tradicionalmente, uma forma de recrutar jovens para as estruturas partidárias. Mas existem inúmeras outras formas e nenhuma deve ser esquecida.

Para além deste papel mais informal dos seus militantes, a JSD, enquanto instituição, pode ser fundamental na mudança que se pretende.

Desde logo, lutando para que haja no ensino oficial uma disciplina de Introdução à Política que, como acima defendi, seja essencialmente prática.

Deve também promover visitas de grupos de jovens a instituições políticas, mostrar o papel da JSD nos órgãos políticos em que participa e promover debates com formatos atraentes sobre temas que verdadeiramente interessem aos jovens (aborto, educação sexual, ensino, etc.).

E deve, sobretudo, dar o exemplo: partir para o contacto com os grupos de jovens não envolvidos na política, informar os mesmos sobre o que está a ser feito e disponibilizar-se para o trabalho conjunto.

 

Conclusão

Temos, portanto um enorme desafio pela frente: ajudar o mais possível a envolver os jovens na política. Não tenhamos dúvidas, a forma como lidarmos com este desafio vai determinar a própria sobrevivência do sistema democrático ou, pelo menos, do sistema político-partidário tal como o conhecemos.

Daqui a 10 anos iremos ver se vencemos.

Fernando Bravo

Março 2004

 

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