Na
sua intervenção, o presidente da câmara bem tentou elevar a parada, ao dizer que a sessão em causa era "a mais importante
de todas", por dizer respeito a um assunto - a Baixa - que, "logo a seguir ao futebol", é aquele que mais paixões desperta
na cidade. Historiando o processo, Rui Rio lembrou que o primeiro "modelo sustentável" para a recuperação da Baixa foi apresentado
ao Governo no primeiro semestre de 2002, mas o habitual "calvário burocrático" ("Portugal no seu melhor", nas palavras de
Rio) levou a que só em Maio de 2004 fosse publicado o decreto-lei que regula as sociedades de reabilitação urbana (SRU). Entretanto,
a câmara nomeou em Outubro de 2003 uma comissão instaladora para a nova entidade (presidida pelo economista Joaquim Branco)
e foi realizando algum "trabalho invisível", encomendando um plano estratégico à Faculdade de Engenharia e lançando cinco
quarteirões-piloto.
Depois de negociações com o Governo, foi decidido criar para o efeito uma sociedade anónima de
capitais públicos entre a câmara e o Instituto Nacional de Habitação (INH), cabendo a parte maioritária (60 por cento) ao
organismo estatal, que se comprometeu com a verba de 3,6 milhões de euros. A hipótese de constituir uma empresa municipal
(totalmente participada pela câmara) foi afastada por Rio: "Não é possível constitui-la, porque a câmara não tem dinheiro
e, além disso, tem a sua capacidade de endividamento esgotada há muito tempo".
Carlos Ribeiro, do PS, manifestou a sua discordância, considerando que "não há apenas uma opção
possível". Na sua opinião, o importante é assegurar o controlo democrático sobre o funcionamento das SRU's por parte dos órgãos
autárquicos. A ser constituída uma sociedade de capitais públicos, Ribeiro prefere que a câmara tenha a maioria do capital,
dado que nesse caso se lhe aplica o mesmo normativo das empresas municipais. "As competências da câmara não podem ser alienadas.
Vale a pena o encaixe financeiro de 3,6 milhões de euros se isso implicar que a câmara aliene as suas competências numa área
correspondente a um terço da cidade [a tanto equivalerá a área de jurisdição da SRU]?", questionou o deputado socialista.
Por seu turno, António Alves, da CDU, criticou o modelo das SRU's, por implicar a "fuga ao controlo
democrático", o risco de decisões "contrárias à vontade das autarquias" e a atracção da "especulação imobiliária". No seu
entender, a questão do endividamento devia ser contornada através de um mecanismo de excepção. "Se isso existiu para as obras
do Euro 2004, porque não também para a reabilitação urbana?", sugeriu António Alves.
Em tom mais acalorado, Rui Rio voltou a invocar os constrangimentos financeiros e responsabilizou
o PS pela situação criada, acusando-o de apenas querer "obstaculizar" a acção da câmara por motivos "políticos". Lembrou ainda
terem sido os socialistas a criar o modelo da Porto 2001, em que a câmara apenas detinha "13 por cento do capital".
No final, Carlos Ribeiro chegou a explicitar uma hipótese para desbloquear o impasse, abrindo
a porta a uma SRU em que o Estado pudesse ter inicialmente a maioria do capital social. No entanto, o deputado sugeriu a abertura
de uma moratória de três anos, finda a qual a sociedade seria reavaliada, com a inversão da estrutura societária e a câmara
a assumir o controlo da sociedade; durante esse período, ficariam, bem entendido, assegurados os mecanismos de controlo que
permitiriam à câmara exercer em relação aos assuntos da SRU as suas competências de órgão eleito. Rui Rio mostrou interesse
por esta solução e chegou mesmo a dizer: "Para mim, não há problema nenhum. Já que não podemos estar a mudar os estatutos,
havemos de arranjar um mecanismo. Se a proposta é séria e o PS está a fazê-la de boa fé, retiro as críticas que fiz há bocado".
No entanto, os socialistas não voltaram a pronunciar-se e, quando chegou a hora da votação, acabaram mesmo por votar contra.
Por NUNO CORVACHO
In Público,
13 de Outubro de 2004
(título da responsabilidade da JSD/Litoral)
REACÇÕES
Francisco Ramos - Presidente do PSD/Porto
“O nosso sentimento é de grande revolta. O executivo [camarário] andou a trabalhar neste
projecto durante dois anos e meio, ultrapassando todo o tipo de adversidades, e agora a reabilitação urbana, uma pedra basilar
que foi sufragada pelos portuenses, é chumbada pelo PS. Uma das alternativas apresentadas pelos socialistas foi aceite pelo
presidente da câmara, pelo que o PS chumbou sem qualquer motivo válido, pondo os seus interesses acima dos interesses da cidade
e praticando uma política de terra queimada. “
Manuel Maio - Presidente do CDS-PP/Porto
“O presidente da câmara mostrou abertura mas o PS não formalizou qualquer alternativa. Já
se tinha furtado à responsabilidade de discutir este documento [os estatutos da SRU] na reunião de câmara. Agora, podia ter
pedido a suspensão dos trabalhos da assembleia [para elaborar uma alternativa], mas não o fez. Preferiu agir com leviandade,
votando contra a cidade. Só esperamos que o PS venha a pagar no momento e no local certo. Os eleitores encarregar-se-ão de
o penalizar através do voto.”
A Oposição Irresponsável
Por
MANUEL CARVALHO
in Público,
14 de Outubro de 2004
E ao fim de anos de hesitações, de expedientes burocráticos, de jogos de influência e de ameaças,
o impossível aconteceu: em mais um momento de insensatez, o PS e a CDU chumbaram a Sociedade de Reabilitação Urbana Porto
Vivo, a grande aposta da equipa de Rui Rio para acudir à principal ferida da cidade, a sua zona histórica. Seriam eles contra
esta prioridade política? Nem pensar! Vai-se gastar muito dinheiro? Nada, queriam até maior empenho financeiro da autarquia!
Vislumbram-se nos seus estatutos, na sua equipa, na sua estrutura accionista perversos e obscuros interesses imobiliários?
Nada consta. Então, pergunta-se, porque é que a Oposição votou contra a Porto Vivo? Ouve-se e não se acredita: porque a Câmara
não reunia todas as condições para a controlar, porque estaria iminente a criação de "um pelouro de urbanismo paralelo", porque
"um terço da cidade" ficaria fora da estrita esfera de competências da política municipal.
Os argumentos seriam sem dúvida válidos se fossem consistentes. Mas não são, o que transforma
num ápice o chumbo num solene manifesto de hipocrisia política destinado a esconder o essencial da operação: a pouco mais
de um ano de eleições municipais, o PS e a CDU entretiveram-se a esgrimir argumentos ideológicos para retirar ao poder o único
trunfo disponível para a campanha que se avizinha. Para o efeito, esqueceram os interesses da cidade e dos seus cidadãos e
invocaram argumentos que não resistem nem à experiência, nem à natureza dos factos. Por outras palavras, entretiveram-se a
desfazer a forma e varreram para as traseiras da discussão o conteúdo.
É sabido que em política, como em tudo, não há projectos perfeitos, e a Porto Vivo está longe
de o ser. Mas, no essencial, tinha os ingredientes básicos para funcionar: uma parceria pública (entre a Câmara e o Instituto
Nacional de Habitação), capitais exclusivamente públicos, atribuições para o recorrer ao financiamento de privados ou à banca,
confiança manifesta de alguns promotores imobiliários, uma equipa liderada por um gestor que até à data apenas tinha dado
provas de bom-senso, um presidente não executivo destacado pela sua dedicação ao interesse público e um conselho consultivo
com várias personalidades da cidade, provenientes de diversos quadrantes partidários.
Por muito que a composição da administração da Porto Vivo apenas contemplasse um representante
da autarquia, todas as suas deliberações em assembleia requeriam os seus votos - o que lhe garantia o indispensável direito
de veto; por muitas dúvidas que houvesse sobre eventuais riscos na gestão urbanística de um terço da área da cidade, ninguém
esperaria ver o Instituto Nacional de Habitação, que ficaria com 60 por cento do capital da sociedade, mancomunado com obscuros
interesses imobiliários; por muito que fosse preferível a criação de uma empresa municipal quer garantisse à câmara o seu
controlo integral, convém notar que é a autarquia que fixa as regras do urbanismo, seja através do PDM ou de planos de pormenor,
às quais todas e quaisquer empresas, sejam municipais, sob a tutela de outros organismos do Estado ou simplesmente privadas,
têm de se submeter.
Para a CDU e o PS, porém, só um desfecho interessava: o chumbo. Chumbariam o que aí viesse, fosse
o que fosse. Com o seu gesto, a prestaram um enorme serviço a Rui Rio, que terá agora todos os trunfos para se mostrar aos
cidadãos como o presidente que tudo fez pela Baixa mas que acabou manietado pelos interesses imediatos de um PS disparar sobre
tudo o que mexa na cidade e de uma CDU que agora, a pouco mais de um ano de eleições municipais, parece disposta a liquidar
a tutela política com quem se habituou a conviver em paz e cordialidade durante o mandato.